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Capitulo IV
Capitulo IV

Capítulo V

Fiz 15 anos. Em se tratando do Kung Fu meu respeito e amizade com o Péricles cresceram muito depois de um episódio que aconteceu em aula. Um dia ele pediu minhas luvas de bater para emprestar a um aluno. Como estavam em falta na Academia eu tinha comprado um par só para mim.

Concordei, mas esqueci dentro delas diversos pacotinhos de cocaína. Fazia algum tempo que eu tinha aderido àquela nova moda. Era uma verdadeira bomba de potência, a sensação que eu tinha era que poderia passar dias e dias subindo pelas paredes. Dava um vigor tremendo, inexplicável! Eu não tinha sono, nem canseira, nem fome, nada. Descobri que me capacitavam a fazer uns treinos impressionantes e me acostumei a inalar um pouquinho antes de entrar na Academia.

Mas quando o tal aluno foi colocar as luvas os pacotinhos caíram no chão.

— Ué? Que negócio é esse?! — Perguntou ele bobamente.

Eu tratei de recolher logo, sem dar bandeira.

— É meu isso aí. — Catei a droga do chão mas percebi que o Péricles havia reparado. Aquele cara não deixava escapar uma!

Ele não falou nada. O treino seguiu normalmente. Bem mais tarde, já não havia mais ninguém na Academia, eu saí do banho e passei pela porta da secretaria. Dei um aceno de mão ao Péricles:

— Até amanhã, chefe!

— Espera aí. — Ele se aproximou de mim, veio falando por metáforas do que eu já sabia. — Olha, Eduardo, você vive admirando essa história dos Campeonatos mas... prá vencer Campeonato você precisa viver até lá, não é?

Me fiz de desentendido.

— Mas eu sou novo ainda. Claro que eu vou estar vivo!

— Não se faça de tolo. Usando essas coisas que você usa é mais provável estar morto do que vivo. Está na hora de você largar disso!

Fiquei meio quieto.

— Tá bom. Eu vou tentar ir diminuindo. — E fui saindo.

— Você não vai jogar fora isso aí? — Ele ainda insistiu, amigável, sem tom de exigência ou reprimenda.

Me virei novamente, encarei-o sem dizer palavra por um tempo. Então balancei a cabeça negativamente. Respondi sem rodeios:

— Não. Não vou jogar, não. — Mesmo que não fosse realmente consumir a droga ela me renderia algum dinheiro se passada para frente.

Saí mas no caminho fui pensando lá comigo:

— Caramba... ele se importou comigo.

Isso era algo que quase nunca acontecia. Num impulso meio bobo dei meia volta. Ele ainda estava lá, cuidando de alguns papéis. Entrei na sala e atirei sobre a mesa os pacotinhos:

— Taí. Você pode jogar fora prá mim, se quiser.

Ele olhou primeiro para a mesa, depois ergueu os olhos na minha direção. Não falou nada de mais, mas para mim aquilo teve um peso indescritível:

— Você está começando a se comportar como um Mestre.

Não fui capaz de responder nada. Senti um aperto na garganta e com muito custo retive as lágrimas. Nem eu entendi minha reação. Acho que ele notou, mas eu não dei tempo para mais nada. Balancei a cabeça em assentimento e virei as costas, fui embora de novo. A partir daquele dia nasceu uma amizade diferente entre nós.

Eu realmente fui aos poucos deixando de lado a cocaína, pelo menos antes dos treinos. Ele me convenceu de que a longo prazo aquilo não me traria benefício algum, pelo contrário. Me esforcei por seguir o seu conselho e deixei a cocaína apenas para ocasiões mais especiais.

Eu continuava chegando mais cedo para treinar, mas agora ele era meu companheiro.

— Professor! Aquece a perna! — Era o meu convite.

Passamos a nos aquecer juntos, lutávamos, ele me dava dicas e me ajudava a aprimorar cada vez mais a técnica. E nunca me dava mole. Éramos amigos agora mas — engraçado! — o vínculo aluno-Professor estava mais mantido do que nunca. Ele tinha me domado. Pelo menos em parte. E eu escutava o que ele me dizia com toda a atenção.

Quando chegava a hora da aula propriamente dita eu já estava moído de tanto me esfalfar com o Péricles. Mas não era desculpa para não treinar. Depois começava outra aula. Se eu tinha tempo acabava ficando para mais uma hora e meia. Como já tinha feito a parte física na primeira aula achava que ia me livrar dela na segunda. Mas que nada!

— Não, senhor! Quem quer ser bom tem que treinar prá valer. Trata de fazer a aula completa. — Falava o Péricles.

Ele exigia cada vez mais de mim. Eu encarava. Não raro eu treinava quatro, cinco horas diárias de segunda a segunda.

Eu e o Péricles acabamos formando uma dupla que entusiasmou a Academia. Abriram novos horários de treinos. Por ocasião da abertura destes horários o Péricles fez uma apresentação que me deixou babando! Aquilo fez com que eu me dispusesse a aprender mais ainda tudo o que fosse possível.

A Academia lotou e foi preciso mais horários ainda. Houve nova apresentação e dessa eu também tomei parte, auxiliando o Péricles em coisas mais simples, mostrando o manejo do nunchaku e palestrando um pouco sobre a parte teórica dos estilos. Aprendi muito!

***

Havia outras vantagens em ter carta branca dentro da Academia. Eu tinha a chave e com o contínuo crescimento de alunos eu acabei por abrir alguns horários clandestinos. Marcava períodos de treinos para alunos que pagavam diretamente para mim. E eu embolsava a grana. Era o espírito da Gangue, não tinha jeito. Eu não via muito mal naquilo, afinal quem estava trabalhando era eu. O fato de usar o espaço da Academia era mero detalhe!

Além de treinar muito era possível fazer tudo o que normalmente não se faria. Mesmo assim os alunos me respeitavam bastante como Professor. Todos me achavam super-responsável apesar da minha liberalidade antes e depois dos treinos. ( somente antes e depois, porque os treinos eram sagrados!).

E eu me gabava de saber enganar muito bem. Se fosse possível surrupiar dinheiro eu também não pensava duas vezes. Que maldade! Mas que vínculo eu tinha com a dona da Academia? Nenhum, é verdade. Eu jamais roubaria do Péricles, por exemplo.

E como a prejudicada era ela, também fiz cópias da chave para os meus manos mais chegados da Gangue. Expliquei muito bem quando o campo estaria limpo. E eles viviam por lá com as namoradas. Eu os havia inclusive chamado para os treinos clandestinos, onde seriam ensinados em primeira mão, mas ninguém deu bola. Eles preferiam as lutas convencionais e as armas que já utilizavam.

Aquela idéia do meu pai, que a prática esportiva me faria mais calmo, acabou mesmo dando em nada. Era para ter sido tão benéfico, talvez a solução de muitos problemas mas, pelo contrário: o Kung Fu me trouxe muito mais energia e também o desejo de utilizar na prática o que aprendia. Vi que se me dedicasse seriamente teria a faca e o queijo na mão. Minha mãe observava de cabelos em pé os exercícios que eu às vezes fazia dentro de casa, e as armas que acumulava. Para ela eu estava meio louco!

O tiro saiu mesmo pela culatra!...

***

Mudei novamente de colégio. Comecei a fazer o curso técnico em Química Industrial incentivado pelo meu tio, que era químico e estava bem de vida. Naturalmente que nem bem coloquei os pés na nova escola e tive que conquistar meu espaço da mesma forma de sempre: pela força.

Não foi necessário brigar feio com ninguém, nem precisei da “29”. Só umas prensas foram suficientes. Como o colégio era particular e os alunos de boas famílias foi fácil me impor sem violência. Ninguém estava acostumado com aquele submundo em que eu vivia, e me deixaram logo em paz. Me respeitaram e eu também respeitei a todos.

Apesar disso nada mudou em minha vida no que dizia respeito à Gangue e aos meus hábitos previamente adquiridos.

Depois que comecei o curso, conheci uma moça que me chamou a atenção de uma forma diferente. Ela estudava comigo e o interesse começou sem que eu percebesse.

Reparei em Camila porque seu comportamento diferenciado destoava dos demais. Ela era discreta no vestir-se, sempre com blusinhas decentes, saias de comprimento adequado, sem aquele linguajar todo peculiar à que eu estava acostumado. Parecia uma moça séria, direita, confiável. Uma moça de família. Sinceramente, era um tipo com o qual eu não estava acostumado a conviver!

Era até bonita. Não como Thalya, é verdade, que na exuberância dos seus quase 15 anos chamava a atenção aonde quer que estivesse. Mas Camila tinha o cabelo castanho na altura dos ombros e um riso simpático. Era um pouco mais velha do que eu, devia ter uns 17 anos.

Reparei e só, mais nada. Eu era muito extrovertido e de fácil relacionamento, conhecia todo mundo na escola. Foi fácil entrosar-me razoavelmente com ela, só questão de não assustá-la logo de cara. Mas eu tinha senso crítico. Sabia que era o maior bandido. Eu não era para ela e nem ela para mim. E sinceramente não perdi meu tempo, apenas empurrei para o fundo aquela admiraçãozinha que curtia por ela.

Mesmo porque, volta e meia escutava de orelhada uns cochichos aqui e ali sobre os “caras mais velhos” que faziam Faculdade. A Faculdade funcionava ali do lado mesmo, e os tais “gatos” parece que eram sempre motivo de muito assunto. Eu não entendia aquela bobagem toda, aquela vida de olhares e amores platônicos com a tal turma da Faculdade.

Naturalmente que eu me manquei. Passou o primeiro ano, veio o segundo.

Com a convivência diária eu e Camila aos poucos tornamo-nos bons amigos. Na classe. Eu lhe dava sincera atenção, conversava, procurava ser respeitoso no falar. Mas não que eu tivesse por Camila algum sentimento muito mais forte, algo capaz de me fazer tomar uma atitude.

Tinha muita mulher sobrando, não era preciso esforço nenhum, não faltava. Elas estavam em todos os cantos, correndo atrás da gente. Até Thalya, que a princípio tinha parecido uma conquista tão improvável... que dizer então das outras? Na maioria das vezes era a velha e conhecida história, elas estavam a fim de tirar uma lasquinha. Eu tirava também, se desse vontade.

Camila que continuasse vivendo fantasias de cinema junto com sua amiga inseparável, uma menina maldosamente apelidada de “A Estranha”. Eu vivia a vida real, do lado de cá da tela!

E íamos convivendo, apenas. Nossos mundos eram muito diferentes.

Havia muitos trabalhos em grupo no laboratório, e eu e Camila sempre caíamos juntos por causa das iniciais próximas de nossos nomes. Ela teve tempo de sobra para acostumar-se comigo e com meu jeito de ser. E logo percebeu que apesar de minha aparência deplorável eu conseguia ir bem melhor do que ela nas matérias.

Camila não queria correr nenhum risco de ficar sem o diploma. Então, durante as experiências sempre se aboletava perto de mim. Como ela era atrapalhadinha! Sempre acabava quebrando alguma coisa. Se voasse longe um beker ou uma pipeta a chance de ter sido ela era bem grande.

As suas experiências às vezes não davam certo. Camila acabava vindo xeretar nas minhas para poder escrever os trabalhos. E não ficava só nisso. Sempre me pedia ajuda para resolver os exercícios, me trazia as suas dúvidas dos deveres de casa.

Por causa das suas deficiências acabamos nos acostumando a estudar juntos para as provas. Eu não me importava em ajudá-la, as matérias sempre me pareciam fáceis. Às vezes estudávamos só nós, (junto com a “Estranha”), outras vezes com mais colegas.

Certa ocasião descobri umas coisas sobre a Camila que não consegui digerir muito bem. Eu estava morrendo de rir, quase caindo da cadeira com os comentários de um Professor de física que nós tínhamos, e que era ateu.

— ...e essa história da Igreja impor “Adão e Eva” é o maior absurdo que eu já ouvi! Como que em quase pleno século XXI somos obrigados a engolir esta balela? É um atentado à inteligência humana e à ciência!!! — Ele continuou fazendo algumas comparações pejorativas mas que não deixavam de ser engraçadas. Ele tinha mesmo o dom de fazer todo mundo cair na gargalhada!

— É isso aí, bela história da Carochinha! — Exclamei.

— Não, não! — Retrucou para mim a Camila — Essa história realmente aconteceu!

— Aconteceu, é? Sei, sei. E quem foi que disse?!

— Lógico que aconteceu, a Bíblia diz isso.

— Essa não...!!! — Eu não tinha palavras diante daquele comentário esdrúxulo. — A Bíblia?! Mas que idéia mais absurda, Camila! A Bíblia não diz que o homem foi para a Lua e nem por isso ele deixou de ir! Olha, você não pode acreditar desse jeito nessas coisas, menina. Eu até acho que deve ter alguma coisa boa na Bíblia mas, pelo amor de Deus, é uma historinha prá boi dormir, heim?!!

Ela ficou meio irritada com o comentário, e se defendeu:

— Senhor Eduardo, não fala uma coisa dessas! É claro que aconteceu como a Bíblia diz!

Eu nem quis insistir.

— Tá bom! Tudo bem, então. A Bíblia é o máximo!... Mas vamos assistir a aula.

— Até parece que você faz tanta questão assim de assistir aula! — Ainda revidou ela, mas numa boa.

Outra feita estávamos no papo perto da cantina do colégio durante o intervalo. E não sei mais nem por que, mas Camila comentou que tinha um irmão que era Pastor. Eu já tinha algumas opiniões bem formadas a respeito daquilo. Não consegui disfarçar:

— Pastor?! Meu Deus do Céu! — E intimamente eu pensava: “Mas que coisa de louco!... Essa gente deve ser completamente doida!”. E continuei: — Seu irmão deve ser milionário, então, heim?! Ele mora numa mansão?

— Milionário? Por que milionário?! Que idéia mais distorcida! Os Pastores não são assim coisa nenhuma, você que está exagerando!

E novamente se defendeu, ficou meio emburradinha. Eu achava até graça na reação. Depois disso às vezes provocava um pouco de propósito, só para ver o que Camila ia dizer. Parece que ela acreditava mesmo naquela coisa toda!....

Um dia fomos fazer trabalho em grupo e ficou acertado que a reunião seria na casa dela. Fiquei curioso para ver o tal do Pastor. Mas ficou só na vontade, não houve jeito, quase nem vi ninguém da família porque estudamos no porão. Além do mais ele não parecia estar em casa naquele horário. Voltei lá algumas poucas vezes para os intermináveis trabalhos mas nunca cruzei com ele.

***

Mais ou menos nessa época, na segunda metade do segundo ano, Thalya viajou para os EUA. Ela estava adiantada, fazendo já o terceiro colegial, e resolveu que antes de concluir o curso deveria aprimorar o inglês, além de passear um pouco. Nem sei se ela trancou a matricula ou como fez, mas acabou ganhando a viagem do pai, e se mandou.

Thalya acabou ficando fora um bom tempo, cerca de seis meses. Me escreveu de lá, mandou cartões. Mas o tempo e a distância fizeram com que perdêssemos quase todo o contato. Quando Thalya voltou, eu estava de férias, às portas de iniciar o terceiro ano de Química.

Logo ela veio me procurar, trouxe presentes, mas tanto eu quanto ela estávamos atarefados com nosso dia-a-dia cada vez mais atribulado. Ela também retomou os estudos, começou novamente o terceiro colegial em outra escola. Trabalhou um pouco como modelo, foi até capa de algumas revistas da época.

Mas acabamos mesmo nos distanciando; foi puramente circunstancial. Thalya mudou de apartamento e como eu nem sabia em que escola ela estudava, perdemos o contato. Eu estava ocupado demais para procurá-la, e ela também.

Nós ainda não sabíamos que em breve nossos caminhos se cruzariam de novo, cerca de um ano mais tarde. Mas para tomar um rumo cujas conseqüências nem em sonho nós poderíamos prever. Thalya e eu ainda íamos conviver muito. Viveríamos uma história totalmente fora dos padrões.

***

Durante aquele período em que Thalya esteve fora, no fim do segundo ano, o inevitável... a certa altura tive que admitir para mim mesmo que Camila de fato era interessante. E comecei mesmo a gostar dela.

Este era um sentimento novo para mim até então, algo que não tinha experimentado por ninguém. Apesar daquela história de Bíblia, apesar dos caras da Faculdade... ninguém é mesmo perfeito. Depois, quanto à Bíblia, ela não parecia daquelas fanáticas doidas; era mais uma tradição familiar do que um ideal próprio. Enquanto aos “gatos” mais velhos... ela não tinha mesmo arrumado nenhum.

E eu queria uma moça direita! Decidi que estava cheio do assédio das vadias, das moças que só pensavam em uma coisa. Elas não faziam mesmo a minha cabeça, já estava meio saturado. Aquele negócio de “ficar” não dava barato nenhum, era um tédio, na verdade!

Na Gangue nós costumávamos apostar “quem conseguia conquistar quem”. Era só brincadeira e era divertido! Se fosse feita a coisa certa as meninas caíam que nem peixes na nossa rede. Era muito fácil! Passar um mel, elogiar, dizer as coisas certas, fazer elas rirem ( quando elas riem é sinal que as barreiras foram derrubadas, a partir daí está quase no ponto).

Depois que elas ficavam interessadas e vinham atrás, era só dar a patada. Bem dada. A brincadeira consistia no conquistar, apenas.

Os mais safados (a maioria) bem que aproveitavam um pouco antes de descartar. Mas eu tinha dó, geralmente nem encostava nelas. Ficava só na conversa.

Mas com Camila não era questão de aposta e fui cauteloso. No meu entender era a única moça que valia a pena. Fui discreto nas minhas atitudes, procurava agradá-la sem exagerar. Mas acabei dando bandeira meio sem querer.

Camila era o tipo de garota que não tinha muito dinheiro e, como eu roubava, esse não era o meu problema. Conversando, uma vez ela comentou comigo que estava querendo uma fita de vídeo do John Travolta, alguma coisa no “Tempo da Brilhantina”. Dias depois eu estava no shopping e lembrei. Resolvi comprar a fita e dei a ela de presente.

Uma outra vez ela queria um Snoopy de pelúcia e eu acabei comprando também o tal boneco. Depois foi um perfume de almíscar. Mas aí achei que já tinha dado presentes demais e aquilo poderia me trair. Então às vezes eu a convidava apenas para comer lanche no MacDonald's depois da aula. Ela estava sempre com fome e, para variar, o problema de sempre: nada de dinheiro!

Uma vez fomos ao cinema, eu, ela e a “Estranha”. Camila aceitou meu convite mas insistiu em que levássemos a “Estranha”, e eu tive que agüentar a vela, não teve outro jeito.

Eu escolhi o filme e fomos ver “Pink Floyd The Wall”. Eu pensei que ia ser o máximo mas no fim o filme revelou-se um abacaxi do início ao fim. Quando saímos, só fiquei esperando a reação das duas:

— E aí? O que que vocês acharam do filme? — Perguntei.

— É... profundo, né?

— Aquela parte dos martelos marchando, então, foi demais!!

— É, mas quando os meninos estavam caindo no moedor de carne foi melhor ainda!

— A explosão do muro teve um super-significado...

Acabamos dando risada e inventamos coisa melhor para fazer.

Só que aquela paparicação toda, assim, do nada, não fazia o meu estilo. Fiquei a fim de tentar algo. Platonismo não era comigo!

Um dia resolvi dar a cartada. O melhor caminho era apelar sutilmente para a “Estranha”. Não tinha nada a perder e se não desse em coisa nenhuma também não era o fim do mundo!

— Se eu falar para a melhor amiga dela que eu “estou a fim”, e pedir para ela não contar nada...é exatamente isso que ela vai fazer! - Raciocinei.

Aí fiz toda a cena. Fui para o colégio cabisbaixo, tristonho, justamente para chamar a atenção. Eu nunca estava cabisbaixo, muito pelo contrário, era sempre dos mais afoguetados. Mas demorou um pouco até eu conseguir o que queria.

— Pôxa, ninguém nota!... Mais cabisbaixo ainda, vai lá, Eduardo! Força! — E até dava risada por dentro.

Finalmente começou a surtir efeito. Todo mundo percebeu que eu estava quieto demais:

— Que que aconteceu? — Começaram a perguntar.

— Nada. — E continuava na mesma deprê. — Nada!

Então a “Estranha” resolveu se aproximar:

— Pôxa, você não está bem mesmo, heim? Que que houve, não quer mesmo dizer nada??

— Tudo bem, vai... vou contar prá você, mas só prá você, tá? Eu estou mesmo com um problema. Como você é uma pessoa madura, tem muita experiência e inspira confiança... — Enchi um pouco o ego dela e deixei na expectativa — ...depois da aula eu te falo, OK?

Ela ficou esperando, séria e lisonjeada por causa da minha escolha. E depois da aula saímos os dois para sentar no pátio perto da biblioteca. Era gozado para quem olhava, eu não tinha nada a ver com a “Estranha”. Ela toda arrumadinha, com a blusa para dentro da calça e sapatinhos pretos, e eu particularmente desleixado naquele dia. Meu cabelo escuro estava rebelde, desalinhado, mas era assim mesmo que eu gostava. Uma lufada de vento me despenteou mais ainda e tive que prendê-lo com elástico. Comecei a falar:

— Sabe o que que é? Eu estou gostando de uma pessoa mas acho que ela não gosta de mim... até com razão, eu sei que não a mereço, mas o coração é uma coisa incontrolável e eu... — Fui por aí afora, dando corda.

— Mas quem é, Edú, quem é?? — Ela estava muito curiosa.

— Não posso falar.

Fiz o drama completo, a ladainha como manda o figurino. Esperei a “Estranha” insistir um pouco mais e por fim contei:

— É a Camila.

— Pôxa! — Fez a “Estranha”. — Mas você está enganado, Eduardo... ela gosta de você, sim!

— Gosta nada! Gosta só como amigo. E sabe do que mais? Estou assim meio triste porque cheguei à conclusão que a melhor coisa é tomar uma atitude drástica!

— Que atitude? — Ela parecia um tanto ansiosa.

— A única saída para mim é acabar de vez com essa amizade, senão vou ficar sofrendo à toa! A melhor coisa é a distância. — Fui até teatral. — É terrível a Camila estar tão perto de mim mas tão fora do meu alcance!

O rosto da “Estranha” parecia preocupado. Afinal, éramos todos amigos, ela queria poder ajudar. E não deu outra, tudo aconteceu conforme eu previra. Ela foi direto contar à amiga.

***

No dia seguinte logo cedo Camila já estava diferente. Eu via no olhar dela, no sorriso. Fiquei só esperando, na minha, olhava de vez em quando mas não liguei muito para ela no período da manhã. Foi ela quem veio, toda sorridente, os olhos mais marotinhos:

— Vamos, não quer dar uma volta, Edú?

— Uma volta?

Pedido meio esquisito. Era o horário do intervalo. — É! — Continuou ela. — Vamos dar uma volta no quarteirão! — Tá bom. Vamos aí.

Saímos da escola, fomos caminhando devagar lado a lado. De certa forma eu me divertia um pouco e esperei para ver o que ela diria. Na verdade eu já sabia, mas queria ver como Camila ia lidar com aquela situação. Me fiz de morto e deixei-a falar primeiro. Ela foi pegando no meu braço, depois na minha mão, até que começou a andar de mãos dadas comigo.. Eu a encarava de cima e ela fez a pergunta:

— Você está gostando de alguém?... — Por que a pergunta? Ela sacudiu minha mão:

— Não, senhor, responde! Eu fiz a pergunta! Está ou não está? —Eu tô.

— Bom... eu também! — Ah, é? Puxa... e quem é ele?

Camila não sabia bem como responder e me diverti mais ainda observando o seu rosto ligeiramente rosado.

— Ele está bem mais próximo do que você imagina. Não pude conter um sorriso diante da declaração dela. Olhei bem e fui sincero:

— Não acho que eu te mereça.

Ela ergueu o rosto prontamente, sua mão apertava a minha de leve:

— Mas eu gosto de você do jeito que você é! Assim, desse jeito mesmo. Sempre gostei de você!

Fui obrigado a dizer o mesmo. Era verdade, fazer o quê?

Sinceramente não achei que Camila viesse a gostar de mim. Eu sentia, sim, que ela me respeitava e ate admirava, mas só.

Achava que parte da atenção que ela me dedicava era mais uma questão de “débito” para comigo do que outro motivo qualquer. Afinal, eu a ajudava muito na escola: fazia os trabalhos, ela nem precisava fazer se não quisesse. Tirava as dúvidas. Guardava uma carteira para ela. Pagava lanche. Passava cola nas provas.

Uma ocasião eu fiz uma cola em código bem em cima da lousa, para a classe toda. Era uma prova de física e coloquei todas as fórmulas bem nas barbas do Professor, e ele nem se deu conta. Lembro que Camila me achou um gênio por causa daquilo.

E de vez em quando até a protegia de pessoas inconvenientes, não deixava ninguém falar palavrão demais perto dela:

— Ô, meu, se liga aí! Vê se cala essa boca suja, vocês estão perto de uma mulher!

E como ninguém me enfrentava... era mais ou menos a história do herói e da mocinha. Ainda que eu fosse o “herói bandido”, estava valendo.

Terminamos a nossa volta no quarteirão e chegamos de novo na escola. Não entramos de mãos dadas, mas ela convidou-me para ir à sua casa naquele mesmo dia. Só que antes disso demos uma passadinha no SESC, ficamos por lá um pouco, conversamos, nos acertamos. E aquele nosso romancezinho começou assim. Dei-lhe uns beijinhos amistosos, com todo o respeito do mundo. Afinal ela não sabia coisa alguma.

E depois de bem acertados, Camila ligou para casa dizendo que ia levar um “amigo” para almoçar. Era legal — e diferente -ter uma moça que não tivesse passado pela mão de mais ninguém.

— Vamos, Edú? Senão fica muito tarde.

— Vamos.

— Você não quer passar primeiro na sua casa e trocar de roupa?

— Não, não quero, não! Vou assim mesmo.

— Bom......não sei, né?

— Você acha que seus pais vão falar alguma coisa?

Camila parecia ponderar a situação:

— Não é isso. É que você está com essa camisa regata... depois tem também minha avó, sabe como é que é!

Na época não era lá a coisa mais comum do mundo, era uma moda meio “avant garde”, coisas que só o pessoal da “29” e afins usava. Bom... eu usava. E não estava nem aí.

— Ah, mas tudo bem, vá! — Falei. — É só hoje. Depois, eu sou só seu amigo!

Ela concordou. E fomos.

Volta e meia Camila ainda me media um pouco de alto a baixo, punha a mão na testa, antevendo a reação da família. Ela estava acostumada comigo, mas eles muito provavelmente me achariam um ser completamente fora de bitola.

Minha calça jeans estava toda rabiscada com desenhos que eu mesmo fazia. (Era mesmo uma calça da hora!). A camisa tinha tido as mangas arrancadas e estava cheia de cortes feitos com estilete, tanto na parte da frente como na de trás. Nos braços eu andava com umas cordinhas cheias de conchinhas e o inseparável bracelete de “heavy metal” ia do punho até quase o cotovelo. No pescoço levava sempre umas quatro ou cinco medalhinhas penduradas, como aquelas de exército.

De quebra, naquele dia eu vestia uma jaqueta de motoqueiro de couro legítimo que tinha roubado não fazia muito tempo. Ela era um pouco maior do que deveria, mas eu a adorava de qualquer jeito, ainda mais toda cravejada dos meus broches caseiros. Ficava grandona. Era o máximo em termos de vestuário.

Minhas mãos também não eram nada apresentáveis porque eu vinha treinando demais no saco de pancada. Isto fizera com que eu criasse enormes e horríveis calos pretos em todos os nós dos meus dedos.

Fui com a cabeça para fora da janela do ônibus para ver se o vento forte deixava meu cabelo um pouco mais assentado. Camila dava risada mas eu via que estava um pouquinho tensa.

E lá fui eu conhecer a família de crentes!!! Em casa de Camila só estavam a mãe e a avó naquele horário.

— Mãe, este é o Edú! — Apresentou-me Camila. Dona Carmem ficou visivelmente chocada com o “amigo” da filha, mas tentava a todo custo dar um ar descontraído ao rosto. — Boa tarde, muito prazer. Vamos entrando! Ah, ah, ah, que bom que você veio... — Ela tentou ser simpática, reconheço.

A avó já não sabia disfarçar. Nem bem deu de cara comigo e imediatamente comecei a escutar uns cochichos pouco audíveis. A boca dela se mexia rapidamente e tudo que consegui compreender daquilo, por alto, foi uns “Jesus” prá cá e prá lá. Mas Camila logo me arrastou e só fiquei pensando no que a velha estaria fazendo. Será que se benzendo por causa da minha presença, como fazia o meu avô?

Logo depois apareceu o pai dela. Seu Augusto foi de poucas palavras comigo mas procurou ser afável. Camila e eu ficamos por ali até que a mesa estivesse posta, mas ela não parecia muito à vontade. Eu, para dizer a verdade, não estava muito preocupado com o que iam pensar. Já sabia de cor e salteado tudo o que as pessoas costumavam pensar a meu respeito, essa era decididamente uma página virada em minha vida.

Ninguém sabia muito bem o que conversar comigo e então eu procurei conversar com a velha que cismava em não querer tirar os olhos de mim. Me encarava sem nenhuma discrição. Achei graça.

— E aí? Tudo em cima com a senhora? — Perguntei com um sorriso.

— O quê??! - Respondeu a avó.

— Não, Edú! Ela não entende gíria. Você tem que usar uma linguagem mais normal, e também falar mais alto! — Explicou Camila.

Bati um papo-cabeça com ela até que o macarrão foi para a mesa. Todos à postos, achei aquilo legal. Era difícil recordar qual a última vez em que a minha família tinha se reunido ao redor da mesa para uma refeição em conjunto. Isso nunca acontecia!

Todos servidos eu já fui bebendo um gole de refrigerante que a Camila colocou no meu copo mas, para meu espanto, percebi que ninguém tocava na comida. Ela fez um gesto de “espera um pouco” meio discreto.

— Que coisa... quanto tempo será que eles vão ficar olhando para a comida??? - Pensei comigo.

Então, a resposta:

— Vamos orar. — Fez Seu Augusto.

Foi esquisito na hora mas depois, pensando melhor, achei um gesto até bonito. Eu nunca tinha visto ninguém fazer isso, agradecer pela comida. O almoço foi agradável e eu comi sem a menor cerimônia. Repeti várias vezes. Depois o pai dela foi para a cozinha e ele mesmo fez um cafezinho e serviu.

Depois do almoço Camila me levou ao quintal para conhecer os cachorros. Eram três dobermanns. Eu quis fazer amizade com eles, dei ração, conversei, e por fim fui aceito. Aí fiquei o maior tempo brincando, jogando longe varetinhas para eles pegarem. A Camila tagarelou o tempo todo ao meu lado e foi muito bom. Uma coisa familiar. Gostei daquilo. Parecia legal estar em casa.

À tarde deram bastante liberdade para que eu e ela pudéssemos conversar. Sentamos na sala e não foi aquela coisa chata de todo mundo ficar observando por trás das portas. Fiquei até espantado. Também ninguém ficou fazendo muitas perguntas e interrogatórios a meu respeito. Depois de passado o primeiro impacto foram solícitos, amáveis e eu me senti bem tratado.

No final da tarde foi servido um lanche e eu comi com eles de novo. Tornei a me espantar. A mesa estava bem posta e eles tomavam chá na xícara. Em minha casa a gente tomava até vinho em copo de requeijão, imagine perder tempo de colocar xícaras na mesa! E tinha presunto, queijo, geléia, eu não sabia o que comer primeiro. Enchi o “pandú” que nem um desesperado.

Mas procurei conversar bastante, elogiar, essas coisas que todos os pais gostam.

O único problema foi que o pai dela costumava comprar apenas um pãozinho para cada um. Eu não sabia e fui comendo. Então puseram mais umas outras coisas, umas bolachas e torradas. Depois que saímos da mesa Camila explicou que o pai comprava a quantia certinha.

— Ninguém tem o costume de comer mais de um pãozinho! Mas quando você vier em casa a gente vai começar a comprar uns quatro a mais!

Fazer o quê???

Pouco antes de ir embora a avó dela deu-me uma Bíblia de presente. “Tirou da cartola”, pensei comigo. Mas logo eu viria a perceber que na casa de Camila havia muitas e muitas Bíblias. Eu agradeci, folheei um pouco e a deixei guardada em casa. Depois disso cada parente dela que me conhecia acabava dando outra.

Ganhei várias.

Quanto ao Pastor... logo tive oportunidade de conhecê-lo. Não era lá muito jovem, talvez mais de 30 anos. Mas assim que bati o olho nele, não fui com a cara. Difícil dizer exatamente o quê me desagradava, mas ele tinha um “ar folgado”. De Pastor folgado.

Logo nas primeiras vezes em que estive na casa de Camila ele começou a comentar comigo a respeito das suas viagens. Ele viajava muito. Quase todo final de semana. Mas o que me chamou a atenção foi a contundente falta de comentários acerca das pessoas e das Igrejas que visitava. Nunca falava nem de Deus. Os comentários eram sempre de outro teor:

— Puxa vida, olha, nesta cidade tem um restaurante que é uma coisa fantástica! A vista é outro negócio. E tinha também um bondinho de onde se podia ver a cidade inteira! Ou então:

— A praia estava o máximo! E voltava moreno. Com um monte de fotografias. Prá mim aquilo tinha cheiro de turismo e mais nada. Nunca falava do tal “trabalho missionário”, dos “cursos” ou das “palestras” que, teoricamente, eram o principal motivo da viagem. Comecei a cutucar:

— Caramba!... Você não ia lá prá fazer um trabalho? — Ah, é! E fui! Fui pregar numa Igreja. - Mas logo já desviava o assunto e instintivamente voltava a falar daquilo que obviamente dava maior deleite à sua alma.

Isso porque ele era o segundo na hierarquia da Igreja, logo abaixo do Pastor titular. Algo como um “Vice-Presidente”. Que coisa!

***

No dia seguinte, na escola, Camila comentou discretamente comigo:

— Olha, Edú, numa próxima ocasião, quando você for em casa, não usa aquele bracelete, não! As pessoas ficam meio chocadas, sabe?... Eles ainda não te conhecem, depois você sabe como é essa história de rótulo, né? Minha família vai acabar fazendo um julgamento baseado na sua aparência. — Ela procurava escolher bem as palavras. — Deixa eles te conhecerem melhor, verem como você é uma pessoa legal, decente...! Além do que fui eu que te escolhi! E se eles confiam na educação que me deram, vão saber que eu escolhi a pessoa certa. — Pegou a minha mão. — Porque eu vi em você uma pessoa sensível, diferente... fiel! Eu sei que você é a pessoa certa!

Fiquei quieto. Percebi naquele instante como ela tinha dado valor a certas nuances de nossa amizade. Ela continuou:

— Você sempre procurou me ajudar de verdade em tudo, nunca buscou o seu próprio interesse. Eu sabia que você me considerava muito como amiga. E nunca pisou na bola, sempre foi fiel à nossa amizade. Acho que vai ser muito mais agora, como namorado, né? Eu sei que quando faz alguma coisa por alguém, faz mesmo, não mede esforços.

Era verdade. Ainda que eu continuasse de boca fechada, tive que dar ponto para ela. Camila havia reparado naquilo: eu considerava demais os meus amigos, não media esforços por causa deles.

Ela me deu um beijo e um leve empurrão no ombro: — E você é muito inteligente! Sabe... não sei como é que você consegue guardar tanta coisa na cabeça!

Nos trabalhos escolares ela já costumava grudar em mim. Mas depois de iniciado o namoro, Camila parecia uma criança fazendo perguntas a respeito de tudo à nossa volta. Eu gostava de ler, é fato, ao passo que ela nunca pegava num livro para nada.

Algumas perguntas tinham fundamento, era legal explicar. Outras... um desastre total!

— Estrela tem mesmo cinco pontas? Eu tinha que rir:

— Nãããão, Camila! Não tem cinco pontas! E a levava à biblioteca, pegava a enciclopédia, mostrava figuras, explicava o que era uma estrela. - Até o sol é uma estrela!

— Imagine, Edú! O sol é sol, não é estrela. Estrela aparece de noite.

—Não, Camila...

E lá ia eu explicando sobre tudo. Ela ficava fascinada comigo, e eu estava longe de ser o Einstein. Bem longe! Mesmo assim...

— Como é que você consegue saber tudo?!

Óbvio que eu não sabia tudo! Apenas tinha uma boa noção de conhecimentos gerais por causa do meu saudável “vício” de bibliotecas. Aprendi muita coisa que não se ensina na escola ou, se é ensinado, é de maneira sem graça e tediosa na maior parte das vezes. Confesso que raramente tive bons Professores. Com certeza, Camila também não!

— Por que existem as cores, Edú?

— Pôxa, é a decomposição da luz em comprimentos de onda diferentes. - E vá explicar isso para ela! - A cor também não é absoluta. Entende? O azul só é assim porque os seus olhos captam e transmitem ao seu cérebro assim, e ele decodifica a informação de uma forma que chamamos de “azul”. Mas se você fosse um cachorro... ou uma mosca... — Eu ria. — O azul não seria azul!

Ela entendia mais ou menos. E continuava:

— Mas e o arco-íris?

Ao meu modo eu procurava explicar. O que não sabia, não inventava. Pesquisava. Era gostoso vir com a resposta.

— E por que a maré sobe e desce?

Era uma infinidade de “por quês”. De repente ela parecia ter encontrado alguém que tinha as respostas. Pelo visto a família dela não tinha. Nunca teve.

Concordei com a história do bracelete. Eu não ia mesmo à casa dela todos os dias, era mais aos finais de semana. Dava prá suportar. E eu até que comecei a aprender coisas boas também. Como usar xampu e condicionador, por exemplo. Nem sabia que aquilo existia. O cabelo ficava bem melhor.

Agora... se a questão fosse cortar o cabelo... podiam desistir!

***

Aos poucos eu até me acostumei com aquela história de orar para tudo. Na hora das refeições não avançava mais na comida, esperava pacientemente, chegava até a curvar a cabeça. E dizia “Amém”.

Naquele primeiro mês de namoro ninguém fez mais nada além de me dar as Bíblias, mas logo depois começaram a me convidar para ir conhecer a Igreja. Finalmente resolvi aceitar. E num belo domingo pela manhã lá fui eu para o Culto! Imagine....

Meus pais me levaram até a Igreja de carro. Eles nem acreditavam que eu estava namorando uma moça crente! E estava indo à Igreja! Seria a salvação da pátria???

Minha mãe não estava botando muita fé:

— Pelo visto é só mais uma, né, Eduardo? Mas essa aí deve ser boazinha. Vê se não vai acabar com o coração da menina logo de cara!

E meu pai tentou me explicar como era o Culto. Numa tentativa de talvez diminuir um pouco o impacto:

— Não é que nem missa. Eles têm um Pastor, e ele vai ficar lá na frente falando e falando. E depois você levanta e vai embora. É assim que é!

— Sério?! Então não tem hóstia, comunhão, essas coisas?

— Não, não! Eles não fazem nada disso.

— Prá mim... — Pensei comigo. —  Tanto faz! Mas vamos ver como é essa história aí.

Cheguei um pouco antes do horário e fiquei esperando. Quando Camila apareceu com a família meus pais já tinham ido embora e acabaram não a conhecendo naquele dia. Camila ainda perguntou: — E os seus pais? Eles não vinham trazer você? — Vieram mas já foram. Fica prá próxima, xuxú! — Mas que bom que você veio! — Camila parecia bem contente. — Eu estava pensando se na última hora você não ia desistir! — Combinado não é caro.

Sei lá o que passava na cabeça dela, talvez pensasse que eu fosse me converter, virar crente também. Vai saber!

Eu não tinha a menor idéia de como me vestir para ir à Igreja. Pelo visto era o acontecimento da semana e eu procurei acertar na escolha. Mas todas as minhas roupas tinham o mesmo estilo, isto é, o estilo “à la '29' “. Vesti o que considerava minha roupa de gala: a melhor calça jeans ( a menos detonada ), tênis e a jaqueta com os broches. Lembrei do aviso de Camila e poupei-me do bracelete. Procurei também pentear o cabelo.

Mas naturalmente que percebi a reação das pessoas. Nada mais, nada menos do que a mesma de sempre! Não é porque ali era uma Igreja que as pessoas de repente iam deixar de ser preconceituosas.

Camila ia me apresentando à medida que cumprimentava os fiéis.

— Oi, tudo bem? Este aqui é o Eduardo, meu namorado!

— Namorado, é? Puxa... — As pessoas procuravam sorrir mas a expressão “shocked” era evidente.

Alguns se pouparam de me estender a mão. Outros já fizeram absoluta questão de orar por mim.

— Que Jesus te liberte! — Escutei de dois ou três.

Eu não entendia nada. “Que Jesus me liberte???”. Era tudo muito diferente.

A comunidade não era grande mas me senti observado o tempo todo. Dentro do Templo, apesar das boas-vindas iniciais, notei uma clareira formando-se ao meu redor. Ninguém fez questão de sentar muito perto.

O Culto... bem... foi uma coisa!!!

Começou com o “Prelúdio”. Os Pastores entraram todos juntinhos, de terninho, gravata, sentaram ao mesmo tempo. Daí começou o que eles chamavam de Louvor, mas que também era chato. Cantavam hinos de um tal “Cantor Cristão” com muitas rimas: “amor, fervor, ardor, temor...”. E todo mundo com aquela cara de pastel!

Foi difícil conter o riso em alguns momentos. Dois ou três insistiam em me empurrar o “Cantor Cristão” para que eu pudesse acompanhar a música. Tive que aceitar. Eles tentavam ser simpáticos.

Mas que coisa chata, meu Deus do Céu!”. Procurei me esforçar, só que estava além das minhas forças. Não tinha nada a ver com tudo o que eu conhecia e gostava.

Depois do Louvor, a pregação. Fiquei na expectativa observando o Pastor que ia pregar.

“Bom... vamos ver que espécie de filosofia eles têm!”

Mas a pregação também foi chata. Não sei se eu estava de má vontade ou se tudo era chato mesmo!...

Foi uma sucessão de altos e baixos. Ora o Pastor falava manso e pausado, ora literalmente berrava com o dedo em riste, a gravata pulando. Eu não conseguia acreditar. Para mim ele estava simplesmente se debatendo lá em cima, tentando provar alguma coisa na base do muito escândalo. Não me parecia uma atitude normal. Ele batia no púlpito — “bam-bam-bam” —, e suava em bicas. Mas nada de tirar o paletó!

Sem querer acabei me concentrando mais no jeito dele do que propriamente no sermão. Não consegui prestar atenção em nada e nem sabia o que pensar. In-su-por-tá-vel!!!

Foi um alívio quando o Pastor fechou a Bíblia.

— ...e é isso que eu tinha para compartilhar com os irmãos hoje. — Concluiu ele, antes de se sentar.

Minha vontade de ir embora era tanta que levantei como se fosse de mola.

— Ôxa! Acabou!... — Falei meio que sem querer.

Mas só eu estava em pé. Todos continuavam sentados e olharam para mim. Camila puxou-me pela manga:

— Não levanta ainda, que coisa! Não acabou!

Sentei de novo:

— Não acabou?? Caramba, o que mais está faltando?

— Ainda tem o “Poslúdio” e a benção Pastoral. Que falta de paciência, Edú.

— Caramba!... —  Era a única coisa que eu conseguia dizer!

E veio de novo a musiquinha, “Tú-rú-rú...”

Depois da Benção, o Pastor ainda falou lá do púlpito:

— Vire para o seu irmão e dê um abraço nele!

Recebi uns tapinhas no ombro, à distância.

— A Paz de Cristo.

Paz de Cristo! Eu já não queria saber de mais nada. Respondi com um aceno curto de cabeça.

Mas acabou! Não sei dizer porque estava tão agoniado, mas realmente não gostei muito da Igreja. Aprendi que ela era de uma linha “Tradicional”, diferente das consideradas “Avivadas” ou “Pentecostais”.

Eu não tinha intenção de voltar tão cedo. Não sei como foi que me convenceram.

— Você precisa ir à Escola Dominical — Dissera-me a mãe dela. — Só aí você vai começar a entender o Evangelho direitinho!

Pensando bem, eu devia estar mesmo muito apaixonado pela Camila para consentir naquilo. E não é que fui mesmo conhecer a tal da Escola Dominical????

Logo no primeiro dia a Professora da “Mocidade” veio com uma história de Moisés, que ele tinha voltado do Monte com o rosto iluminado.

— Peraí! — Não pude me conter. — Você quer dizer “iluminado” no sentido assim... de alguém cheio de carisma, de sabedoria.... não é? Como Buda! “Buda” quer dizer “O Iluminado”, porque ele falava palavras de paz e de luz. Quer dizer que com Moisés aconteceu a mesma coisa?

— Não! — Respondeu ela. — De forma alguma! O texto é literal.

Eu me revirei na cadeira.

— Ah, tá! Gostei dessa. Quer dizer então que ele virou uma lâmpada?!? A cabeça dele brilhou tanto que foi preciso colocar um pano na cara, prá não ofuscar os outros? — Não me contive mais. — Putz grilo, como é que vocês acreditam nisso?!!

Para variar, todos olhavam para mim. Camila não sabia onde se enfiar. Comecei a rir diante da expressão dos olhinhos de todos.

— Essa não! O cara vai para o Monte e volta uma lâmpada! Pô, corta essa! — E ria. — Saía mesmo luz da cara dele?

— Saía, é lógico! Era a Glória de Deus, mocinho!

Comecei a rir mais ainda, compulsivamente.

— Ah, ah, ah! Ele virou um farol ambulante!! Não dá prá imaginar uma coisa dessa, agora imagina só o cara no deserto com uma manta em cima da cabeça, suando que nem um porco! Ah, ah, ah!

Camila me dava cotoveladas, chutava minha canela, fazia todos os sinais possíveis para que eu me calasse. Mas não teve jeito! E a Professora, apesar de meio injuriada com a minha reação, procurou manter a compostura e falar com voz branda:

— Mas aconteceu. Aconteceu conforme eu estou te dizendo!

Para mim aquilo era uma coisa de louco, inconcebível. Como que alguém em sã consciência podia acreditar naquilo?!

— Dizer que ele tinha um sorriso iluminado, um semblante iluminado, no sentido figurado, eu até concordo. Mas nunca literal! — Ainda retruquei. E comigo mesmo: “Que ostra!... Que doida!”

Mas de repente vi que ninguém estava rindo.

— Bom... acho que não teve a mínima graça. — E tratei de fechar a matraca.

Fiquei só escutando, mas ainda teve uma outra coisa qualquer que ela falou e que achei um verdadeiro absurdo. Tive que fazer um esforço sobre-humano para me conter. Camila só olhava para mim e fazia cada cara feia...!

Me poupei de dar outra mancada.