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Capitulo VII
Capitulo VII

Capítulo VII

Pouco tempo depois da minha Formatura no Wing Chun, meu namoro com Camila começou a tomar outro rumo. Ela não se conformava mais em aceitar certas coisas, começou literalmente a querer controlar a minha vida. O Kung Fu e as brigas nas quais me envolvia eram o pior problema. Até acho compreensível, mas Camila fazia da maneira errada, começou a querer impor a sua vontade e achou de insistir em extremos que começaram a me incomodar.

Chegava ao cúmulo de marcar hora para eu entrar e sair de sua casa no final de semana. E se eu atrasasse: ficava de bico! Eu já estava começando a perder a paciência com aquela prepotência!

Mesmo assim eu ainda procurava agradá-la sempre, da melhor maneira. Aos poucos fui assumindo Camila em todos os sentidos, inclusive financeiramente. Eu arcava com todas as suas despesas porque seu Augusto decididamente não cumpria o papel de pai.

Eu gostava de vê-la contente, sempre que podia dava-lhe tudo o que quisesse, de bom grado. Camila aprendeu que nesse aspecto, pelo menos, ela sempre seria a “princesa”. Nem se importava em saber de onde vinha a grana. Contanto que não faltasse.

E como normalmente não faltava, ela tinha todos os seus desejos atendidos. Era shopping, táxi, roupas, sapatinhos, tênis, passeios e restaurantes caros. Mas às vezes, a fatalidade... nem sempre eu havia ganho o suficiente. Ou roubado o suficiente. E aí começaram os problemas.

Aos poucos comecei a ver que o meu “tudo” nunca seria bom o bastante. Se por acaso estivesse sem dinheiro Camila nunca era compreensiva, nunca achava que poderíamos fazer um programa mais simples e que iria ser bom do mesmo jeito.

Decididamente ela tinha vocação para marajá! E nada de aceitar programas mais simples, como a maioria dos mortais faz quando a grana está curta. Ficava emburrada e reclamando que queria sair, que o final de semana ia ser uma droga e que ela nunca fazia nada de bom! E como era duro “ser pobre”!

***

Depois começaram a acontecer algumas coisas que decididamente foram me deixando cabreiro.

Minha primeira decepção de verdade com Camila, creio eu, foi por causa da bota.

Ela tinha cismado com uma bota que vimos um dia no Shopping Eldorado. Camila olhou, babou, comentou, namorou a bota com olhos vidrados. Naquele dia eu não tinha como, mas assim que descolei uma grana extra voltei ao Shopping para comprar a tal bota. Ia fazer uma surpresa!

A moça que atendia na loja ficou até muito assustada quando entrei, até deu uns passos para trás. Acho que pensou que era algum assalto. Eu podia ver o medo nos olhos dela. Mas não roubei a bota, paguei com dinheiro vivo. Me custou os olhos da cara.

Levei a bota e umas flores para Camila, no sábado, em sua casa. Ela adorou a bota. (Mas reclamou das flores, já nem me lembro por que). Ela estava entusiasmada:

— Puxa, Edú, que bom! Vamos sair, então? Tô louca para estrear a bota!

— Olha, Camila, eu estou sem dinheiro para tudo isso. A bota custou meio caro, acho que você se lembra do preço, né? Só se for um MacDonald's!

Resposta errada!.................

— E eu lá posso ir no MacDonald's com essa bota??! Então, pelo menos vamos ao “Galleto's”.

— Não tem jeito, eu não tenho grana. Só se você pagar com um cheque seu.

Camila tinha começado a fazer um estágio remunerado, (parcamente remunerado), e tinha um dinheirinho dela.

— Mas não tem fundo o meu cheque. Está a zero!

— Tudo bem. Eu cubro a sua conta segunda-feira. — Até lá eu teria tempo de levantar facilmente a grana.

Assim combinado, ela me obrigou a me arrumar melhor. Impingiu-me uma camisa do Pastor Sérgio que ficou agarrada porque eu era mais encorpado do que ele.

— Está menos pior do que a outra, toda rasgada! — Sobreveio Camila olhando para mim.

Ela mesma ainda molhou meu cabelo e o amarrou. Finalmente deu-se por satisfeita e foi ela mesma se vestir e se emperiquitar. Mas eu já estava saturado. Por que tinha que ficar sufocado dentro daquela camisa ridícula???! Mas concordei.

Um pouco antes de sairmos o tempo começou a fechar. Mesmo assim tomamos o primeiro ônibus e descemos a algumas quadras de distância da minha própria casa. De lá pegaríamos o segundo ônibus, que nos deixaria no “Galleto's”.

— Você trouxe o guarda-chuva, né, Edú? — Perguntou Camila. — Não, esqueci. Você me fez experimentar tanta roupa! — Essa não! Se essa bota molhar eu nem sei o que eu faço!!! — Respondeu Camila já com maus bofes.

Dito e feito. Justo naquele momento começaram uns pingões de chuva grossa.

— Ai, meu Deus! — Ela gritou com o rosto transtornado. — Calma! Estamos a duas quadras da minha casa.

Mas de repente... uma enxurrada!

Fomos correndo como lebres só que não deu para evitar o pior com a bota, que era de couro branco, com uma espécie de pelica fina.

Camila entrou em minha casa completamente   histérica. Bateu a porta da rua com fúria e subiu calcando os pés estrondosamente na escada, aos berros, chorando e gritando. — Ai, meu Deus do Céu!!!!!

Toda a minha família assistiu a cena. Foram pegos tão de surpresa que ninguém entendia nada. Só ouviram a porta do banheiro martelar um “BUM!” caprichado lá em cima.

—Mas o que que aconteceu?! — Acudiu minha mãe às pressas. — Ela molhou a bota. — Respondi em tom seco, subindo atrás de Camila.

Entrei no banheiro, tentei acalmá-la. Camila atirou a bota em cima de mim.

— Olha só!!! Carambaaaa!!!!

Perdi a paciência de vez. Empurrei-a e tranquei a porta do banheiro por fora.

— Pois então fica aí dentro do banheiro com bota e tudo!!!

Camila continuava gritando e chorando, batendo com os pés na porta do banheiro, num descontrole total!

— MINHA BOTAAA!!! — E “BAM!”, “BAM!”, “BAM!”

Minha mãe subiu correndo atrás de nós.

— Eduardo, tenha calma! Mas o que que é isso?!

— A culpa é dessa louca!

Naquele dia demorou para ela se acalmar. E o clima foi de velório o resto do final de semana.

Que Inferno. Que Inferno!

***

Aí veio a história por causa da briga no parque. Essa foi meio inusitada, e eu não tive culpa.

Comecei a participar de torneios pela ADINK. Numa dessas ocasiões estive no interior e acabei machucando um rapaz com quem lutei. Não foi de propósito mas meu golpe pegou de mau jeito no joelho dele, acho que deslocou a patela. E ele não pôde mais lutar.

Eu perdi apenas em pontuação mas o rapaz acabou sendo desclassificado por falta de condições físicas. Acabei voltando com o primeiro lugar na minha categoria.

Foi uma farra mais ou menos na volta, lembro-me bem. Pena que, na empolgação da conquista, girei demais a medalha para fora da janela do ônibus e ela acabou voando longe. Voltei com o primeiro lugar, mas sem medalha e super-emburrado com a “fatalidade”!

Passado algum tempo, um dia eu estava dando aula quando entrou um sujeito na sala que ficou ostensivamente a me encarar. Não dei bola mas no final da aula ele me abordou:

— Você que é o Eduardo?

— Sou eu.

— Por acaso você se lembra de um torneio “assim e assim”, que aconteceu há seis meses, lá em... — E desfiou o rosário.

— Me lembro muito bem. Só não estou lembrado de você. — Respondi em tom tão seco quanto o dele.

— Pois é. Eu não estava lá. Mas meu irmão estava! Ele era irmão do tal rapaz desclassificado, aquele que eu tinha machucado o joelho.

— O meu irmão era um bom atleta mas está em tratamento até hoje por sua causa. Você usou de um artifício sujo para ganhar o Campeonato!

Eu respondi numa boa a princípio.

— Pôxa, mas essas coisas acontecem, cara! Seu irmão deve saber que não foi de propósito. Todos nós assinamos um pequeno contrato antes dos torneios assumindo toda a responsabilidade sobre nós mesmos! Cada um é responsável por si. O seguro cobre danos graves, e creio que não é o caso.

— Eu estou aqui para cobrar uma outra coisa. Aproveitar uma oportunidade que meu irmão nunca teve. — E empinou o nariz numa atitude que não gostei.

“Que metido!”, pensei.

Mas aí veio a inusitada proposta:

— Eu e você. — Continuou ele em tom ameaçador, para variar com o nariz quase encostado no meu. — Só nós dois. Sem regras e sem juiz. Até o fim.

Quase dei risada na cara dele. O sujeito não devia estar batendo muito bem da bola! Dei uma caçoadinha:

— Aí!! Acho que você anda vendo muito filme de luta, heim?!

Ele não se deu por achado. Continuou no mesmo tom:

— Você tem uma semana de prazo para me dar a resposta.

— Te dou a resposta já: esquece. Não vou lutar com você!

— Você mora na rua Caiapó, número 234, não é? Seu pai costuma sair pela manhã e deixa sua mãe em casa... junto com dois irmãos menores...! E você estuda naquele colégio técnico assim e assim, e namora com uma mocinha... como é mesmo o nome dela? Camila, não é?...E ela mora perto de um parque, está trabalhando...

Deu todos os detalhes da minha vida. E concluiu:

— Isso é prá você saber que eu vou atrás de você. Não adianta querer se esquivar. E você vai ficar inválido, sabia? Vou te deixar numa cadeira de roda! Mais uma coisinha...não adianta ir atrás de polícia. Se você fizer isso, sua família que se cuide. Eu estou só te ameaçando... isso não faz de mim um criminoso. Não é?

Deu meia volta e falou, por cima do ombro:

— Eu volto em uma semana!

Que sujeito mais doido! Aquilo não tinha cabimento. Só me faltava essa, vingança de irmão! Saí da Academia e fui direto para o colégio. Agora eu tinha aulas à noite de Administração de Empresas. Encontrei com a Thalya e acabei comentando com ela em primeira mão:

— Dá prá acreditar? E agora? Ele sabe tudo sobre mim e quer lutar de qualquer jeito. Não tenho outra alternativa. Em último caso, vou armado e passo fogo nele.

— Talvez não seja preciso. Você pode derrotá-lo. — Respondeu Thalya com ar meio preocupado.

— Qualé, mulher! Isso não é filme, não. O sujeito quer me aleijar. Só que antes ele do que eu!

Ela não se convenceu muito mas eu já estava decidido. Se fosse o caso matava aquele cara e acabou!

No prazo combinado ele voltou a me procurar.

— Você escolhe o lugar e a hora. — Disse-me tão logo ouviu minha resposta afirmativa.

Falei friamente:

— Sete horas da manhã no Parque. Perto dos estábulos. Domingo.

 Duas coisas... — Reiterou ele. — Se você não estiver lá, não vou te procurar mais. Só que alguma coisa vai acontecer com você ou com a sua família. E se você levar mais alguém junto, eu não vou lutar. Só que aí a primeira ameaça continua valendo. Deu prá entender? Isso é entre mim e você! Vê se consegue ser homem uma vez só e não vai se esconder atrás de ninguém.

Fiquei pensando comigo mesmo. Não podia levar ninguém. Minha família estava em jogo, Camila também. Eu nem me atreveria a comentar o fato com ela. Foi Thalya quem sugeriu:

— Esse cara é louco mesmo! Você não vai fazer o jogo dele, não, Eduardo. Tem que ter um trunfo na mão! Eu já sei, vamos fazer o seguinte: eu vou com você! Ele não vai desconfiar de uma mulher, eu posso muito bem estar fazendo um cooper no Parque! Fico com o seu revólver, vocês lutam, mas se a coisa apertar eu atiro nele!

— Até parece. Não é porque o cara é louco que você vai dar uma de louca e meia, Thalya.

— Louca e meia nada. Loucura é fazer o jogo dele! Eu não sou dondoca, você sabe! Tô aí pro que der e vier, Edú!

Ela me convenceu de que isso era o melhor e ficou combinado assim. Dei-lhe algumas noções de tiro, ensinei-a, treinamos um pouco. Mas queria crer que não ia ser necessário chegar naquele ponto, pelo menos eu assim o esperava.

Um dia antes, no sábado à noite, eu comentei com Camila sutilmente:

— Olha, pode ser que amanhã eu me atrase um pouco prá chegar. Tenho que resolver uma ponta com um cara! — Não sei o que me deu, mas expliquei em poucas palavras do que se tratava. — Pede aí para o teu Deus que o pior possa ser evitado.

Sinceramente não sei porque fiz a besteira. Ela nem deu bola. Limito-se a comentar:

— Você que não me apareça aleijado aqui, que eu não vou mais te querer! Está ouvindo bem? Era só o que me faltava!

Olhei para ela sentindo morrer dentro de mim algo que não renasceria de novo. Aquela resposta me decepcionou profundamente. Me limitei a responder:

— Não se preocupe, Camila. Eu não vou voltar aleijado. Levantei imediatamente, fui em direção à porta. — Aonde você vai? — Embora. Tchau. — Pois vá! Eu não quero nem saber. Saí e fui atrás de Thalya, que estava em casa. Saímos, fomos ao cinema, procurei relaxar a cabeça. E na manhã seguinte, bem cedinho, ela passou com o carro em casa e fomos para o Parque. Eram seis e meia da manhã. Passamos em frente à entrada. Ainda nem estava aberta. Então demos a volta e estacionamos bem longe.

Voltamos à pé e pulamos o muro sem muita dificuldade. Estava uma manhã nevoenta, caía uma garoa fina e insistente que logo nos deixou bem molhados.

Nem bem adentramos o Parque e nos separamos. Ficou combinado que Thalya não iria se expor à toa, fazendo cooper, mas ficaria escondida dentro de uma baia de cavalo. Eu estava apreensivo, confesso. Era uma situação diferente.

Quando cheguei ao local combinado ele já estava lá, todo molhado também. Eu nem sabia em que baia Thalya tinha se enfiado. Ela mesma ia escolher o melhor lugar depois que observasse nossa posição na hora. Nem bem cheguei, ele apenas olhou para mim e começou a se aquecer. Lembrei-me do filme “O Vôo do Dragão”, com o Chuck Norris e o Bruce Lee, quando eles lutam no Coliseu.

Mas a presente situação era bem diferente de um filme. Afinal, meu revólver estava com Thalya. Certamente que eu confiava no meu Kung Fu, mas se algo desse errado minha vida estava nas mãos dela.

“Ora, quanta besteira!”, pensei num relance. E me lembrei do meu refrão, “lutar até a morte”. Mas bem que a morte podia ficar para depois.

Não trocamos palavra alguma, eu e ele. Bem aquecidos, nós nos encaramos olho no olho e eu me coloquei em guarda bem fechada. Sabia que qualquer descuido poderia me custar caro. “Sem regras” — eu me lembrava bem. Campeonato tem regras, Academia também. Com a Gangue o poder vinha do bando. E quando eu me exaltava sozinho a ira era tão grande que eu não media mais conseqüências. Mas ali a sensação era atípica.

Ele avançou contra mim com o ímpeto de quem aguardou muito por aquele momento e o chute foi direto para a região genital. Me defendi com uma afastada rápida do corpo. Não sei que espécie de destino ou força guiava minha vida nesta ocasião, ou se foi mero acaso. Mas tudo se resolveu de modo inesperado.

Ele era grande e forte, maior do que eu, no entanto o chão molhado fez com que ele escorregasse ao vir com tanta “sede” já no primeiro golpe. A perna dele deslizou para a frente e, naquela escorregada, ele abriu os braços instintivamente durante uma fração de segundos. Minha visão deu de súbito com a região das costelas desguarnecida. Foi num piscar de olhos, quase tão rápido quanto o meu pensamento:

— É agora!

Entrei violentamente com um chute bem ali, do lado esquerdo, com toda a força que eu tinha. Senti a perna entrando fundo, um som horrível e muito audível se fez escutar: “CLOSH!”. Ele caiu e não levanto. Eu ia bater mais, no rosto dele, mas algo me fez esperar. Eu não estava possesso de raiva. Olhei melhor: ele todo era uma expressão aguda de dor.

Thalya apareceu correndo, nervosa:

— Eu atiro?! Atiro?!!

Nem respondi, mas cutuquei-o:

— Chega de fingir, vamos levantar!

Mas ele não conseguia pronunciar uma palavra, quanto mais se levantar. Só se contorcia no chão, o rosto cheio de agonia. E logo parecia não conseguir respirar direito. Vi que era sério e me abaixei:

— Pô. Fica calmo! — Procurei levantar-lhe a camisa. Ao fazê-lo dei de cara com a base do tórax literalmente afundada, tinha ficado uma reentrância bem visível aonde as costelas foram esmagadas.

— Meu Deus...e agora?! — Perguntou Thalya.

— Vamos levá-lo para o hospital! — Respondi. E para ele: —Você consegue andar?

Ele não conseguia mesmo falar nada, só gemia baixinho, a dificuldade respiratória visivelmente piorando. Eu o ergui como deu, ajudei-o a se apoiar em mim, Thalya também fez o que pode. Logo na saída do Parque um policial nos viu e ajudou. Enfiamos o rapaz no carro e voamos para o Hospital das Clínicas, o mais próximo. Lá nós o colocamos numa maca e demos entrada no Pronto-Socorro.

Só depois disso é que fomos embora. Aí foi só motivo de comemoração. Esqueci completamente de Camila, só dei as caras lá pelas duas da tarde. Thalya ainda tinha pedido:

— Pôxa, fica aqui, está tão legal! O que você vai cheirar lá? E se você estivesse mesmo aleijado? Ela nem ia querer olhar para a tua cara!

Mas fui. Estavam todos me esperando para almoçar.

E Camila estava emburrada por causa do atraso. Mas eu já estava deixando de ligar muito para o que Camila pensasse ou deixasse de pensar.

***

Entrei de manhã cedinho na sala de aula. Eu havia cabulado aulas demais na última semana, e apesar de Camila ter assinado a presença no meu lugar era preciso dar as caras pelo menos nas aulas práticas.

Aprender a matéria não era o problema, bastava uma boa lida com atenção no material e fixava tudo. Minhas notas estavam razoáveis a julgar pelo número de vezes em que aparecia na escola.

Cheguei cedo, antes da Camila, e fiquei batendo papo com a turma. Até que entrou o César, um tipo folgado que havia sido transferido de outra escola há alguns meses e que vinha abusando. Mexia com todo mundo! Vivia exibindo a altura e os músculos, todo metido a halterofilista. Pelo visto estava acostumado a deitar e rolar em cima dos outros. E sempre ficava tudo por isso mesmo, o tamanho dele impunha lá o seu respeito: era bastante forte, encorpado, beirando seus 1,90 m de altura.

Comigo também ele abusava um pouco, vez por outra vinha com pequenas provocações. Deixei passar. Não valia a pena sujar a mão com aquele trouxa.

— E aí, tudo em cima? — Fez ele dando tapas nas nossas costas. — E aí? — Ele aproveitou para me dar uma palmada pesada no cangote e acrescentar, meio debochado: — Sabe de uma coisa? Eu acho que você devia cortar esse seu cabelo!

Ele ia me encostando a mão de novo mas me esquivei sem dar resposta. Eu nem sequer lhe dirigia a palavra. Mas já estava começando a me dar nos nervos. Ele vinha cada vez mais confiante para o meu lado e começou a passar dos limites do aceitável. Na cabeça dele acho que rolava a história de sempre, isto é, que talvez eu o temesse fisicamente.

E o César parece que decidiu que ia mesmo me tirar do sério!

Colocava os pés na minha carteira e sujava minha roupa de propósito, jogava a fumaça do cigarro na minha cara, me provocava verbalmente, bobeiras assim. Ah, minha índole não combinava com esse tipo de coisa!... Mas era a primeira vez que eu estudava em colégio particular desde a minha infância. E, prá dizer a verdade, estava gostando do curso de Administração. E tinha intenção de receber meu diploma de Química.

Não queria arrumar confusão e acabar sendo expulso. Sempre fui “oito ou oitenta”, meio termo para mim não existia, não havia ponderação. Eu sabia que se perdesse a cabeça a coisa ia ficar feia de verdade. Por conta disso fui deixando, fui deixando, fui deixando.

A Camila incentivava :

— Larga mão, ele é um bobão !

Comentei com o pessoal da ADINK, casualmente, uma noite:

— Tem um (...) no meu colégio que não dá trégua!!! Acho que eu vou ter que arrebentar com ele.

— Olha, toma cuidado, cara! Pode dar confusão, você sabe, heim? — Falaram meus companheiros.

De fato eu sabia. Se usasse a Arte para agredir alguém e a história chegasse aos ouvidos dos Mestres da Academia aquilo poderia resultar em expulsão por ato indisciplinar. Além da perda do meu recém-conquistado Registro na Federação. Estava encurralado: ser expulso da ADINK.. ou ser expulso do colégio???

— Vou tentar... — Respondi bufando. — Tentar exercer os princípios da Arte Marcial, vencer a mim mesmo, dominar as emoções...

 Eu ainda não estava convencido, mas recitei: — “Forte é o Homem que vence sem lutar, mesmo que possua o poder de vencer lutando”.

Como eu gostaria de poder acreditar naquilo! Era poesia demais. Procurei me controlar, mas minha paciência estava por um fio.

Até que um dia o César realmente passou dos limites. Eu estava de costas conversando quando ele me pegou pelos fundos da calça e me ergueu do chão mais ou menos um meio metro, como se eu fosse um bonequinho que ele usasse para fazer musculação! Aquilo foi muito engraçado para os outros mas eu fiquei furioso. O sangue me subiu à cabeça imediatamente.

— Bom... — Meu rosto afogueado estava para poucos amigos. — Não tem jeito mesmo, né, seu palhaço? Você quer brigar comigo a todo custo!!! Então vamos acabar logo com esta lenga, vai! Vamos para o estacionamento já. Ali ninguém vai separar a gente. — E ameacei entre dentes, um pouco mais alto: — Vou te quebrar inteiro!!!

— Corta essa, baixinho! Você acha que pode comigo? Não se enxerga, não? — Respondeu o César com ar caçoísta.

— Vamos lá já! Você não é homem?! Vamos lá agora, seu (...), que eu vou acabar com a tua raça.

O pessoal que estava na classe só ficou olhando. No íntimo todos tinham raiva dele. Ninguém tentou impedir. Não sabiam nada sobre a minha vida pessoal, e muito menos sobre o Kung Fu.

— Então vamos, baixinho, vamos resolver essa parada! — O César foi saindo da classe com ar cínico, achando tudo ridículo.

Perto dele acho que eu era mesmo baixinho. Como se isso fosse problema!!! Bruce Lee também era baixinho! E eu era muito mais alto do que o Bruce Lee.

Tudo à minha volta deixou de fazer sentido. Eu não queria mais saber de coisa alguma a não ser brigar. Tinha atingido o ponto sem retorno. Já não enxergava ninguém, não via mais nada, só deixava aflorar em borbotões aquele sentimento que eu já conhecia: ódio! Um único pensamento dominava a minha mente. Acabar com ele. Nada mais poderia me demover.

Bem que a Camila tentou:

— Eduardo, não vai! Prá quê isso? Você vai se machucar!

Não a deixei continuar:

— Não se mete que vai sobrar para você também! — Respondi segurando-a com firmeza pelo braço, falando com ira, soltando faíscas pelos olhos. — Eu não te impeço de ser mulher, não venha me impedir de ser homem.

Camila emudeceu na mesma hora. Assustada, só veio atrás de nós junto com o restante das pessoas que estavam na classe. Durante o breve caminho até o estacionamento eu grudei no César e “abri o dicionário”: xinguei, provoquei, “elogiei” a mãe dele. Diante da afronta vi que ele começava a se irar, contava os segundos para por as mãos em mim.

Nem bem chegamos no estacionamento, eu sabia que tinha que definir logo o impasse. Não queria perder um segundo, temendo que alguém surgisse e acabasse com a confusão antes de eu acabar com ele. As pessoas formaram uma rodinha. Eu só estava com o Nunchaku. Evitava vir armado (com o revólver) no colégio por puro receio de perder a cabeça e acabar fazendo uma loucura.

Saquei o Nunchaku e o manejei violentamente próximo da cara do César. A arma produzia um zunido constante ao cortar o ar à minha volta e a precisão dos golpes era impressionante. Apesar de irritado ele perdeu um pouco da rompança diante da minha atitude tão confiante. Mas tentou manter a linha:

— Você é que é covarde, vem com esse troço para cima de mim !

Joguei o Nunchaku no chão com fúria.

— Você se engana. Não preciso disso para brigar com você! — Olhei fundo nos olhos dele, muito próximo. Parecia que podia sentir o gosto de veneno na boca.

— Três segundos. — Afirmei. — Três segundos e você está no chão.

O silêncio era total. Esperei que ele atacasse primeiro. Foi a única chance que lhe dei de me acertar.

Não muito decidido, César avançou e me deu um empurrão.

Molenga! Foi a conta. Entrei com tudo na base das costelas. Eu adorava acertar aquele ponto! Senti a mão afundando e escutei o som seco já conhecido, um “Crock!”. Mas parece que minha mão entrou bem além do que esperava. Uma vez dado o primeiro golpe eu já não podia mais parar. Perdia o controle. Virava uma máquina de bater.

E a ferocidade tomou conta de mim novamente. Quando ele se inclinou, gritando de dor, foi uma sucessão instintiva de golpes. Continuei socando, chutando, o sangue voava espirrando da boca dele, do nariz, das sobrancelhas. Até eu estava sujo, com as mãos e as roupas respingadas. Foi questão de segundos. Rápido demais até para mim. Tão rápido que nem deu para afogar aquela ira toda.

De repente um dos rapazes da turma saiu do estado letárgico e me puxou para trás com força :

— Pára, pára, pára! — Berrava ele. — Você matou o cara, Eduardo!!!

Olhei para o César ali caído e tive a impressão de que realmente ele não estava respirando. Nem se mexia. Nessa hora veio o desespero, não porque ele estivesse morto mas porque os outros tinham visto!

“Matei o cara, e ainda na frente de todo mundo. Que show, meu Deus do céu!”

Alguém falou:

— Foge, Edú, acho que você matou ele!

Estavam todos mudos e atônitos, ninguém sabia o que fazer para socorrer o César. Se é que ainda dava para fazer alguma coisa. Eu não quis saber. Correndo feito louco saí da escola e entrei no primeiro ônibus que passou. Em casa fiz uma mochila em um minuto e sumi. Não podia ficar na minha casa, tinha que fugir do flagrante.

Acabei indo para a casa do Éder.

— Éder! — Eu ainda estava um pouco nervoso. — Acho que eu matei um cara na escola, preciso ficar aqui uns dias, brother!

Ele me apoiou sem problemas. Estava mesmo sempre sozinho em casa. O ambiente estava até aconchegante: ele estava escutando um disco da hora bem alto, viajando num baseado maneiro, e com um copo de “San Raphael” ao lado.

— Bom... — Começou ele. — Ficar nervoso agora não vai ressuscitar o cara, é ou não é ? Então,” relax”...! Bebe aí...fuma...viaja no som...

De fato, era a única coisa a fazer. Então... aceitei! Bebi, fumei e viajei no som...

***

Mais tarde liguei para Camila para ver se ela sabia de alguma coisa. Sem posição concreta, o único dado era que ele tinha sido levado às pressas para o hospital. Se estava morto ou não, era uma incógnita.

— Vou ficar sumido uns dias, deixar o negócio esfriar. Anota aí meu telefone. Só você que sabe, heim?! Dedou prá alguém, se queimou! Se a Polícia baixar aqui você vai se arrepender do dia em que nasceu.

Pelo telefone ela tentou me acalmar:

— Tudo bem! Fica frio! Eu não vou falar nada disso. Te cuida que eu passo notícia.

No dia seguinte à noite ela conseguiu se comunicar comigo:

— Olha, ele está internado mas não morreu, graças a Deus! Acho que é melhor você aparecer logo no colégio para ver no que vai dar. Aqui só se fala nisso! Você vai ter que vir mesmo, cedo ou tarde, estão é melhor não deixar passar mais tempo.

— OK!

Voltei primeiro para casa.

— E aí, mãe? Tudo bem?...

— Tudo bem. Aonde é que o senhor andou?

— Ah, por aí, estava na casa de um amigo meu e esqueci de avisar. Desculpa, heim?!

— Vê se não esquece mais. Todo mundo fica preocupado sem saber se você morreu ou se está vivo.

— Alguém me procurou? — Procurei fazer da pergunta a coisa mais corriqueira do mundo. Mas, na verdade, queria saber: “O camburão passou por aí?”.

— Não, ninguém procurou. — Respondeu ela.

— Alguma carta? — Continuei, no mesmo tom, abrindo a geladeira. E para mim mesmo: “Alguma intimação, quem sabe?”.

— Não, não veio carta prá você!

Fiquei feliz, pensando:

— Bom... beleza, então! Acho que não foi nada grave afinal de contas. Foi só um susto mesmo!

E no dia seguinte apareci na escola.

Cheguei meio atrasado, abri a porta da classe e senti todo mundo olhando para mim em meio a um súbito burburinho:

— Você não pode entrar agora. — Disse-me secamente o Professor.

Achei que era só a questão do atraso.

— Tudo bem, na próxima aula pode? — Era uma dobradinha com o mesmo Professor.

— Qual é o seu nome?

— Eduardo.

Ele olhou a lista de chamada e seu semblante mudou consideravelmente.

— Estamos com um problema... me parece que você não pode mais freqüentar as aulas nesta escola. Há uma ordem aqui, que você fosse encaminhado à diretoria tão logo retornasse.

Eu fui. A diretora tinha o péssimo hábito de falar “mole”. Mas nesse dia ela estava falando bem rápido e isso significava que estava brava de verdade! Nem bem entrei, ela encarou-me friamente e perguntou: — Escute, menino, você tem consciência do que você fez?

— Mas o que que eu fiz?

— O quê o senhor fez??? Você quase matou o seu colega de classe!!!! Esse tipo de comportamento nós não vamos admitir! Esta é uma escola idônea! Nós zelamos pelos nossos alunos e não vamos permitir marginais, vândalos aqui dentro. E fique sabendo de uma coisa: o senhor está expulso! EXPULSO!!! Pode pedir para os seus pais virem aqui aceitar o seu mês porque você não é mais aluno desta escola. E pode retirar-se já da minha sala!

— Mas, peraí! — Reclamei, já irritado. Minha vontade era bater nela também. — Mas o que aconteceu com ele?

— O senhor quer saber o que aconteceu? Pois mande os seus pais virem conversar comigo.

Tentei insistir mas ela não quis saber. Que vontade de afundar a cara dela!!!

E em casa... como explicar o ocorrido? Fui para a cozinha onde minha mãe coava café.

— Mãe. — Comecei. — Tenho uma coisa para te contar.

Sempre que eu começava naquele tom minha mãe já me olhava com ar atarantado. Em segundos ela pensou em tudo, a julgar pela expressão do seu rosto encarando o meu.

— O que foi agora, Eduardo?!!

— Bom., sabe a escola?

— Sei, sei! O que foi?

— É que eles não querem mais que eu estude  lá!

Ela ficou de cabelo em pé.

— Mas por quê? Por que isso? Que discriminação é esta? —Ela já pensou que era por causa da minha aparência. — A mensalidade está paga, não está? Tudo certo! Por que estão fazendo isso com você???!!

— É! — Resolvi contar logo tudo ao meu modo. — É que um cara me provocou... e então eu bati nele, sabe? Agora não querem mais que eu estude lá! Mas, pôxa, foi legítima defesa, eu só me defendi!

Ela ficou me olhando.

— Mas que coisa!

Coitada, ela acreditava na lorota que fosse. Eu podia dizer que tinha sido seqüestrado por um OVNI e passado uma semana em outro planeta, e tudo bem.

— Pois então! — Me empolguei porque ela não estava contra mim. — O cara é o maior bandido, o maior marginal, e veio folgar comigo. E, olha! Eu não quis brigar, eu não queria, verdade! Mas ele veio prá cima e eu tive que me defender. Mas não bati muito...e agora todo esse rebú! — Quando vi já tinha mentido. Fazer o quê?

E lá foram meus pais para o colégio. E ficaram sabendo da história “à lá diretora”.

Eu fui junto mas não me deixaram entrar para ouvir a conversa. Quando meus pais voltaram eles estavam... bem, vamos poupar adjetivos! Estavam um pouquinho “bravos”.

— Vamos logo para casal — Vociferou o meu pai.

No caminho achei melhor ficar quieto até que alguém se manifestasse. A cara deles estava indescritível. Só bufavam o caminho inteiro, às vezes olhavam para mim pelo espelhinho retrovisor. Finalmente meu pai acabou dando o relatório.

O César ainda estava internado. Ele acabou ficando mais de uma semana no hospital. Tinha sido operado. Teve as duas últimas costelas direitas fraturadas e isso causou um problema sério, um hemotórax (derrame de sangue na membrana que recobre o pulmão). Fraturou também o braço, o nariz, os dentes da frente. Precisou levar muitos pontos, inclusive na parte interna da boca.

Fora o trivial: muitos cortes, escoriações, hematomas no rosto e na cabeça. Esteticamente falando, o rosto foi o pior!

— Você quase matou o rapaz, me disseram que encheu o pulmão dele de sangue. Eu não sei para que precisava tudo isso! —Falou o meu pai. E o sermão, para variar, foi por aí afora.

Por fim, ele disse que havia feito um acordo para que eu não fosse expulso. Nós pagaríamos todas as despesas hospitalares, os remédios e o tratamento do César. E eu seria apenas suspenso por uma semana. Isso evitaria que eu perdesse o curso.

Como os pais dele concordaram, o negócio foi abafado. Ninguém deu queixa e eu escapei do pior. Mas a minha sorte maior foi o episódio não ter chegado aos ouvidos dos meus Mestres de Kung Fu. Ficou mais do que evidente para todos que eu me utilizara de alguma Arte Marcial. Aquilo foi questionado, mas usei de evasivas e nem sequer toquei no nome “Kung Fu”. Deixaram quieto. Fazia parte do acordo.

Quando voltei da suspensão o César ainda não estava em condições de vir à escola. Ele só deu as caras quase um mês depois da briga.

Certa manhã, quando cheguei, ele estava lá. Mas tão cabisbaixo, tão quietinho, parecia um cachorrinho depois da surra. Tinha perdido completamente a pose. Sentado sozinho, engessado, o rosto ainda meio inchado, ele não falava com ninguém. Fiquei com dó. Eu já estava meio arrependido do que tinha feito.

“Pôxa... coitado! Olha só o estado dele. Tá tão murcho... nem mexeu com ninguém!”

Resolvi tentar uma aproximação. Nem me preocupei muito com o que o pessoal ia pensar. Durante o decorrer da manhã acabei indo sentar perto dele. E desembuchei:

— Olhe, cara, não leva a mal. Eu não queria fazer isso tudo com você. Mas você me provocou e eu perdi a cabeça. Me desculpa aí, heim? Eu sei que desculpa agora não resolve, mas...

Ele nem me olhava. Mudei de assunto:

— Bom, como você não pode escrever, deixa que eu te arrumo a matéria, falou?

E realmente eu me esmerei, tirei xérox dos melhores cadernos, arrumei tudo o que era preciso. Mas nada dele abrir a boca para falar comigo. Insisti durante alguns dias, puxei conversa perguntando como ele estava indo de saúde, ofereci meu lanche. E nada! O César continuava mudo.

Passaram as provas finais do meio do ano, vieram os exames de recuperação. Eu havia perdido algumas provas por causa da suspensão e tinha exames para fazer. O César também tinha se prejudicado muito e ia ter que fazer quase todos os exames.

Durante esse período eu continuei a cumprimentá-lo e procurava ser afável, embora nunca recebesse resposta. Até que um dia ele finalmente saiu do ostracismo e fez a pergunta:

— Escuta... — Ele parecia estranhamente intrigado. Queria e não queria falar — Mas o quê é que você faz?

— Mas faço o quê?! — Não entendi. A pergunta só tinha lógica para ele.

Ele foi muito sincero.

— A sensação que tenho... — César procurava as melhores palavras. — A sensação é que eu fui atropelado. Não me parece uma coisa normal... o que é que você fez?!...

— Ah... — Fiquei até meio constrangido. — É que eu pratico Kung Fu.

E comecei a falar um pouco da Arte Marcial, das aulas, da filosofia.

— Eu dei um péssimo exemplo para você. Fiz tudo o que não devia ter feito, a doutrina do Kung Fu não é essa! Não devo usar o que sei para agredir assim... o Kung Fu tem por base a disciplina, o domínio próprio, a honra, a paz. Olha, não leva a mal, eu fui mesmo um péssimo exemplo!

Depois disso, devagarzinho o gelo foi quebrando. Passamos a conversar um pouquinho aqui, um pouquinho ali.

E ele parou de mexer com os alunos, aprendeu pelo pior caminho que era melhor ficar na dele. Mas volta e meia me enchia de perguntas sobre o Kung Fu.

Um dia acabei por convidá-lo para assistir uma de minhas aulas. Nessa altura ele já sabia que eu era Professor. Para encerrar: acabou por tornar-se meu aluno. Concedi-lhe bolsa integral no curso, ele não precisou pagar um tostão. Pena que não tivesse mesmo o menor jeito para a coisa. Era muito grandalhão e desajeitado. Só servia mesmo para desfilar do alto da sua altura e exibir a musculatura perfeita. Briga que era bom... nem pensar! Ficou alguns meses e acabou desistindo.

E o trágico episódio da escola acabou caindo praticamente no esquecimento. Ficamos até que meio amigos. E ainda que César não demonstrasse claramente passou a ter uma admiração meio dissimulada por mim.

***